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A memória como presente eterno

  • Foto do escritor: Colegio Sao Pedro
    Colegio Sao Pedro
  • 28 de mai. de 2020
  • 2 min de leitura

Mario Sergio Cortella

Sermos esquecidos é a mais contundente avaliação sobre a nossa prática. Onde estão os nossos professores? Na memória, na história, na insignificância? Onde ficaremos nós? Toda vez que se aproxima o término do nosso calendário letivo, fico incomodado por uma perturbação aparentemente comezinha.

Com a cessação do convívio mais amiúde com as alunas e os alunos, por quanto tempo mais continuarei sendo lembrado? Afinal, não ficamos tanto na vida cotidiana de algumas pessoas para depois mergulharmos no melancólico esquecimento, a ponto de nem, às vezes, o nosso nome lembrarem. Quando crescemos, perdemos a capacidade de guardar o nome dos professores ou professoras? Nem de todos e nem de todas...

É sempre emocionante ver o reencontro de gente honestamente famosa com a “sua professorinha das primeiras letras”; é magistral (literalmente) quando o docente recorda-se até do modo como o afamado se comportava ou estudava e, por sua vez, aquele a chama carinhosamente pelo nome, antepondo um carinhoso “dona” (tal como a “minha” dona Mercedes, de quem me despedi ao final do primeiro ano do primário, em 1961, ela já idosa, e que, felizmente, nunca mais foi embora de mim).

Entre as dores e delícias da educação, há uma circunstância que sempre entristece quando se está conversando com alguém que diz estudar em uma das escolas nas quais se atua e, face à pergunta sobre o nome do seu professor de uma determinada disciplina, diz: “Não lembro; é um de barba, é uma meio baixa, é um bem magro e calvo...” Onde estão os nossos professores? Na memória, na história ou na insignificância? Soterrados pelo tempo ou vivificados pela prática? Onde ficaremos nós? A melhor avaliação é ser bem lembrado!

Para festejar nossos momentos de remate das lidas escolares e, ao mesmo tempo, deixar entrar distraidamente um pouco de nostalgia, melhor dar-nos um presente daqueles de fim de ano, registrando aqui inteirinho – em vez de ficar só com as sempre lembradas e profundas quatro estrofes finais – um dos magníficos escritos de Adélia Prado. Essa mineira, nascida em dezembro de 1935 – não por acaso, em uma cidade denominada Divinópolis –, publicou o primeiro livro, "Bagagem", aos 41 anos, e nele está o poema “Leitura”.

Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras. As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas fora do seu tempo desejadas. Ao longo do muro eram talhas de barro. Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo que lá fora o mundo havia parado de calor. Depois encontrei meu pai, que me fez festa e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria, os lábios de novo e a cara circulados de sangue, caçava o que fazer pra gastar sua alegria: onde está meu formão, minha vara de pescar, cadê minha binga, meu vidro de café? Eu sempre sonho que uma coisa gera, nunca nada está morto. O que não parece vivo, aduba. O que parece estático, espera.

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